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FISIOTERAPIA DEPOIS DO AVC - O QUE NÃO FAZER?

FISIOTERAPIA APÓS O AVC - O QUE FAZER E O QUE NÃO FAZER?

19/02/2022

Dicas: O que não fazer depois de um AVC?


Primeiramente vamos falar de  forma resumida, o que é um AVC?

AVC – (Acidente Vascular cerebral) , AVE (Acidente Vascular Encefálico), Derrame (mais conhecido pelas pessoas, mas é a mesma coisa).

Ele acontece quando ocorre a morte, a lesão dos neurônios, que são aquelas células que ficam no nosso cérebro.





Existem duas formas de AVC:


AVC isquêmico e AVC Hemorrágico
AVC isquêmico e AVC Hemorrágico


 

AVC Isquêmico: quando não chega sangue até os neurônios. Podemos comparar nossas artérias como se fosse uma mangueira, e se essa mangueira entupir, ela não consegue levar o sangue até aquele neurônio. Se o cano que leva agua até a torneira entupir, a água não chega até a torneira. Então o AVC isquêmico é quando entope as artérias. O sangue não consegue passar, ir para frente. O neurônio é uma célula que gosta muito de oxigênio, ele precisa muito de oxigênio e glicose, ou seja, energia para ele funcionar. Então se não chega sangue até ele, ele morre, ocorre uma lesão.

 

AVC hemorrágico: É quando o vaso sanguíneo se rompe. Voltando ao exemplo da torneira – é quando o cano está com vazamento, no caso da mangueira, se estiver com vazamento, o sangue sai de dentro da artéria e  vai lesionando os neurônios que vai tocando. 


AVC isquêmico e hemorrágico - cano entupido ou cano com vazamento
AVC isquêmico e hemorrágico - cano entupido ou cano com vazamento

É  importante entender que cada um que teve um AVC é diferente  do outro. Às vezes  escutamos  pessoas falando que algum conhecido teve um AVC e tem problema de visão, o outro teve um problema na área da fala, outro teve perda de força do braço, outro perdeu mais força na perna, outro perdeu o equilíbrio ou a coordenação.


Por que isso acontece? Porque cada lugar do nosso sistema nervoso tem uma função diferente. Por exemplo: a parte da frente do nosso cérebro (Lobo Frontal) está relacionada com o movimento, planejamento do movimento, pela fala, pela parte motora da fala, comportamento.

Lobos Cerebrais
Lobos Cerebrais

A parte mais de trás (Lobo Parietal) tem relação com sensibilidade, é o que a pessoa sente quando alguém a  toca, a sensação de  quente ou frio, ou a  dor.

 Outra  parte de trás (Lobo Occipital) está relacionada com visão,  apenas para citar alguns exemplos.

 Existem outras estruturas que não fazem parte do cérebro. Vamos dar como exemplo, o cerebelo. É uma pequena estrutura, responsável pelo equilíbrio e coordenação.

Dessa forma, uma pessoa que tem uma lesão em uma determinada região, terá  um quadro clínico diferente daquela que tem uma lesão em outro local, daí a importância de não se comparar as pessoas com Acidente Vascular Cerebral, inclusive porque existem vários fatores que influenciam na recuperação dessa pessoa. 

Outro fator importante, relacionado ao AVC:  não são todos os  neurônios que morrem. Muitas pessoas se indagam : “Meus neurônios morreram e agora?”

Não é assim, nós temos aproximadamente 86 bilhões de neurônios. Quando a pessoa tem um AVC, alguns neurônios são lesionados e  outros permanecem íntegros.

 

Quando um neurônio morre, você acha que acabou aquela função, que nunca mais vai recuperar?

 

Felizmente não: Existe a neuroplasticidade, que é  a capacidade do cérebro em se adaptar. Se uma região teve morte de neurônio, aquelas outras que sobreviveram, vão se adaptar para tentar reagir à lesão. Não é só a pessoa que teve AVC que  possui neuroplasticidade, todo ser humano tem.

Quando aprendemos uma  nova função, como por exemplo, quem nunca tocou violão, aprende a tocar o instrumento, acontece no cérebro a plasticidade, adaptações ou alterações.

A neuroplasticidade é uma grande aliada na recuperação do AVC. Você que sofreu AVC: não perca a esperança na sua reabilitação.

 A neuroplasticidade acontece em todas as idades e está presente em cada um de nós: desde criança até 90 anos ou mais.

As atividades físicas realizadas de forma adequada estimulam a neuroplasticidade. Existe uma substância que é como um alimento para o neurônio, que o ajuda a recuperar-se após o  AVC. Chamamos essa substância de fatores neurotróficos, porque fazem o neurônio crescer, se adaptar. A maioria desses fatores são produzidos durante o exercício físico, essa é a razão do exercício físico ser considerado um dos melhores remédios para o AVC.

 Ressaltamos que para esse resultado, o exercício físico deve ser feito de maneira correta, porque da mesma forma que o cérebro se adapta com estímulos adequados, faz o oposto com  maus estímulos, denominado plasticidade maléfica. Em vez de agir para o bem, age para o mal.

Estímulos Cerebrais
Estímulos Cerebrais

O cérebro é um órgão de reação. Com estímulos corretos, ele recupera. Com  estímulos que não são adequados, além de não se recuperar, até dificulta a recuperação posterior. Mesmo com estímulos adequados posteriormente, provavelmente ele não vai reagir da mesma forma, porque foram dados maus estímulos no período inicial.

 

Vamos ver algumas dicas de situações que não devem serem feitas, para não estimular de forma errada o seu cérebro. Depois do AVC,  as pessoas envolvidas ficam  preocupadas,  querem fazer de tudo para recuperar. Só que fazer de tudo nem sempre é a melhor coisa. Às vezes é melhor não fazer, do que fazer coisas erradas, que podem piorar.

 

Vamos as dicas:


Não repita exercícios da internet sem orientação
Não repita exercícios da internet sem orientação

Recomendamos parar de assistir vídeos de exercícios para AVC no Youtube, na internet, porque tem muitas situações inadequadas e erradas.

 “... Faça esse exercício que seu pé vai voltar ao normal....”,

“...Faça esse exercício que sua marcha vai melhorar...”.

Tem algumas coisas que mais prejudicam do que ajudam, o professor Rogério afirma que  aconselha a todos os seus pacientes: “Não repitam exercícios que vocês veem na internet”, sem a orientação de um profissional habilitado.

Um exercício que pode ajudar uma pessoa, pode atrapalhar a outra, porque o exercício tem que ser pensado individualmente, com estímulos específicos para cada um.

Deve-se ter cuidado quando se fala sobre exercício, avaliar se  é vindo de um profissional com experiência.  A internet está repleta de testemunhos e  informações, mas deve-se ter cuidado com a pessoa que sofreu um AVC e ensina outras a como se recuperar. Mesmo com todas as boas intenções que essa pessoa possa ter, de compartilhar o que deu certo para si mesma, não tem a consciência que pode prejudicar outras pessoas.

Foi explanado acima que cada AVC é único.  Significa que se uma pessoa repetir o que outra fez, não vai funcionar e às vezes até piorar. Repetindo o que já foi dito: maus estímulos estimulam a plasticidade maléfica, ensinamos o nosso cérebro a não se recuperar.

Cada pessoa é única, cada AVC é único, de forma que cada indivíduo se recupera de forma diferente. Se o Acidente Vascular Cerebral aconteceu há um ou  2 anos, a pessoa fica triste e desanimada quando constata que alguém falou na internet que se recuperou em 1 ano, ou que fez tal coisa em tal espaço de tempo. Cada pessoa tem o seu tempo. Aprenda a olhar para você, tenha empatia consigo mesmo, alterando a forma de pensar: Eu não me recuperei ainda, mas vai dar tudo certo, controlando a ansiedade.

Então, já que eu não posso repetir o que os vídeos da internet estão mostrando, o que eu tenho que fazer?

 Se o cérebro precisa de estímulos adequados, a avaliação de um profissional especializado na área neurológica, é fundamental para a correta orientação de quais exercícios são bons e quais não são. O profissional vai fornecer a orientação do que pode ou não fazer.

Por exemplo, existem centenas de exercícios para melhorar a mão, alguns são indicados para uns pacientes, outros são indicados para os outros,  por isso deve existir  uma avaliação.


Exercicio de apertar bolinha
Exercicio de apertar bolinha

Esta dica se aplica à maioria das pessoas que tem AVC. Ao procurar “exercício para AVC” no Google, aparece um senhor apertando uma bolinha. Normalmente, quando a pessoa tem um AVC, algum conhecido aparece trazendo uma bolinha, “Sr. João aperta essa bolinha que é bom para voltar a força da mão”. Você já ouviu isso em algum lugar?

 

Como fica a mão depois do AVC:  fechada ou aberta? A maioria fica fechada, ao apertar a bolinha, a pessoa vai dar um estímulo para fechar ainda mais, ou seja, em vez de melhorar, vai piorar. Existem exercícios específicos para as mãos, que são feitos de forma funcional.

O uso de bengala após o AVC
O uso de bengala após o AVC

O que uma pessoa que teve um AVC quer? Andar. E o que ela tem que fazer? Ter uma bengala, você concorda comigo? Nem sempre.

 

Porque nem sempre a bengala ajuda?

Na imagem acima, uma senhora está usando uma bengala inadequada. Porque esta bengala de 4 pontos joga o peso da pessoa para o lado bom, o que não foi afetado pelo AVC.

 

Se quem sofreu AVC usa bengala nos primeiros dias ou nas primeiras semanas de AVC,  e aprende a se locomover  com o auxílio da  bengala, tirar é muito difícil,  porque esse indivíduo ensinou seu  corpo que o peso tem que estar onde está o braço e a perna não afetado pelo AVC. Dessa forma, não aprende a jogar peso para o lado do AVC.

 

Um dos principais objetivos no início da  fisioterapia, é treinar  jogar o peso, porque quando a pessoa transfere peso para a perna ou o braço afetado,  envia uma  informação de sensibilidade para o cérebro e ensina o  cérebro: “Precisamos ativar aquela perna, precisamos ativar aquele braço”.

 

O perigo de usar bengala logo após o AVC é porque muitas vezes o indivíduo está ensinando o oposto para seu cérebro. “Vamos jogar tudo para o lado que não teve AVC, esquece o outro lado”....  e isso aumenta a chance de cair, e aumenta a dificuldade para retirar a  bengala posteriormente. É muito difícil tirar a bengala depois de quem aprendeu andar com ela.

 

A bengala é indicada em alguns casos, mas existem critérios: ela não serve para todo mundo. Por isso, cuidado com o que você vê na Internet, tem muita gente que fala: “Teve um AVC, pega uma bengala e tenta andar assim que é melhor do que ficar parado”. Cuidado!!!

 

Algumas pessoas realmente precisam das bengalas, outras não. É recomendável a avaliação de um profissional para verificar se existe a indicação


Não esqueça o lado comprometido do AVC
Não esqueça o lado comprometido do AVC

Antes de alguém ter um AVC, não dividia o seu corpo em lados... lado direito e lado esquerdo...

Após o AVC, as pessoas agem de forma errada, se referindo ao seu corpo como o lado bom e o lado ruim. Nunca faça isso! Você continua sendo uma pessoa só. Então independente de você ter tido um AVC, você continua sendo um.

É preciso ter cuidado para que após o  AVC,  o cérebro não tenha tendência de  esquecer o lado do AVC e querer fazer tudo com lado normal. Isso é uma tendência depois do AVC e tem explicação fisiológica.

Dessa forma, é fundamental que as pessoas não esqueçam o lado do AVC, porque quanto mais  usa e estimula o lado do AVC, maiores são as  chances de recuperação

Quem sofreu AVC deve incluir o lado afetado em tudo.

No  banho:   segurar a  bucha na mão e tomar banho usando as duas mãos, incluir o membro superior afetado no momento do banho.

Nas refeições: usar o braço para apoiar o prato.

No lazer: incluir sempre o lado afetado, no que gostar de fazer.

Muitas vezes, apenas  com o movimento de  colocar o braço afetado em cima da mesa e olhar para ele, já é um estímulo de visão que a pessoa dá  para o seu cérebro: “Olha o membro superior ai”, isso é importante na recuperação.

 Então, fica aqui uma tarefa para você, que sofreu o AVC ou o familiar de quem teve AVC: encontrar  5 formas de  incluir o  lado  afetado pelo  AVC nas suas atividades. Pensar antecipadamente em algumas atividades diárias e incluir o lado do AVC.

Outra dica é deixar os móveis ou  aparelhos estimulando o olhar para o lado do AVC,  principalmente na sua  fase inicial. É Importante que todas as informações cheguem do lado do AVC, por exemplo: assistir TV – Colocar  a televisão do lado afetado pelo AVC, para que a pessoa tenha que  olhar para aquele lado, estimulando esse campo. Dessa forma, quando a pessoa pegar o controle remoto, terá  que rolar em cima do membro afetado, enviando informações  para o cérebro.  Sempre estimular o lado do AVC.


A famosa frase: “Se você não recuperar no primeiro ano, não recupera mais”.  É MITO.


Recuperação do AVC ao longo do tempo
Recuperação do AVC ao longo do tempo

Existe recuperação até cinco, dez anos depois do AVC. A imagem acima demonstra a recuperação do AVC. Nos primeiros dias após o Acidente Vascular Cerebral, a curva cresce, o que aparece em amarelo é a recuperação, o ganho de função.

Seis meses após o AVC a curva se achata um pouco, mas continua crescendo,  não diminui a chance de recuperação.

A curva verde no gráfico mostra a plasticidade cerebral, principalmente na fase aguda (de 1 a 3 meses após o AVC).  Esse pico da neuroplasticidade demonstra uma fase extremamente importante para a recuperação, inclusive para o início da fisioterapia. É importante então iniciar a fisioterapia na fase aguda, por ser um período de maior neuroplasticidade. Percebemos que a neuroplasticidade não acaba, então independente do AVC ter acontecido em 2, 3 ou 5 anos, continua a possibilidade  de recuperação. 


Não desanime após o AVC
Não desanime após o AVC

Não desanime! É muito difícil passar por um AVC. 

A pessoa está com a sua vida normal e repentinamente perde o movimento, fica com dificuldade na fala, por exemplo.  E a tendência das pessoas em geral é se entregar.

Agora minha vida não tem mais sentido...”.

 A motivação, o engajamento e o ânimo para o  tratamento é muito importante para o cérebro, quanto mais animado, mais engajado a pessoa está, mais seu cérebro vai atuar de forma a ajudar na sua recuperação. Então é muito importante não se entregar.

 

Reabilitação depois do AVC
Reabilitação depois do AVC

Muitas pessoas costumam  achar  que a reabilitação é só fisioterapia, mas  geralmente quem sofreu o AVC vai precisar de muitos outros profissionais (equipe multidisciplinar).  No caso do desânimo usado no exemplo anterior, um psicólogo seria extremamente importante, porque motivação influencia na recuperação.  Fonoaudiólogo para ajudar na fala. O Terapeuta ocupacional.

O Educador Físico,  para quando  terminar a fisioterapia, fazer  um exercício físico adaptado e acompanhado. Mas cuidado! Muitos  que tiveram AVC querem frequentar a  academia e fazer exercício de qualquer maneira. O trabalho precisa ser feito em equipe. O Educador Físico vai adaptar os exercícios para o indivíduo fazer sem muita compensação.

 

Algumas  dicas para os  familiares e cuidadores:


 Apoio do lado do AVC: sempre que você ajudar  uma pessoa com AVC, você  tem que dar um apoio do lado do AVC. Se você vai dar o apoio do lado que não teve um AVC,  você está ensinando a pessoa a jogar peso no lado sadio. Então, tudo que você for ajudar faça do lado do AVC: ajudar a  pessoa andar ou levantar.

 Cuidado com o Ombro: muito cuidado com o ombro, às vezes você pode tracionar o ombro, e isso pode promover uma lesão naquele ombro. Então muito cuidado, em vez de apoiar no ombro, tente apoiar no tronco da pessoa.

Estimule a independência: tente estimular  a independência. Às vezes, o familiar ou cuidador quer ajudar tanto que atrapalha, acaba fazendo as coisas pela pessoa.

Deixa  a pessoa que sofreu o AVC fazer o que ela consegue, o que for capaz.

Por exemplo: na hora do banho, às vezes a pessoa não consegue lavar as pernas, o pé, mas o tronco superior ela consegue. Então dá a espuminha, pede para pegar com as duas mãos e ir tomando banho. Tudo que ela consegue fazer, ela precisa ir fazendo.

Posicionamento: cuidar do posicionamento da pessoa que teve o AVC e o seu. Muito cuidado com a coluna, evitar “arcar” o tronco para frente, tentar às vezes, se for agachar, usar mais a perna do que a coluna, para você também não ter uma lesão no futuro.

 

E a pergunta que o Prof. Rogerio mais escuta de todos os seus pacientes que teve AVC: 

“Eu vou recuperar do AVC?”

Vou me recuperar do AVC?
Vou me recuperar do AVC?

 

São vários fatores a serem considerados para a recuperação:

-       Estímulos adequados:

-       Reabilitação: a reabilitação  tem que ser precoce, depois das 24/48 horas, iniciar com a fisioterapia

-       Local e tamanho da lesão: depende também do local, do tamanho da lesão. Uma pessoa que tem uma lesão na área motora,  tem uma recuperação diferente de uma pessoa que tem lesão em uma área visual.

-       Idade: Pessoas mais as novas tem maiores chances de recuperação, mas isso não significa que  os mais velhos não tem. O que acontece é que a plasticidade é um pouco maior em quem é mais novo, mas não quer dizer que a pessoa de idade não tenha.

-       Motivação. Se você se entregar isso, vai influenciar muito na sua recuperação.

-       Negligência: Não esquecer o lado do AVC vai ajudar a recuperar também

-       Adaptação/Aceitação: se aceitar e se adaptar. Muitas pessoas entram em um quadro de negação, não se aceita, e isso influencia  na recuperação. 

Atitude adequada  após o AVC
Atitude adequada após o AVC

 

“Inteligência é a capacidade de se adaptar a mudança” Stephen Hawking

 “Se aceite, se ame e não desista”



Rogério de Souza
Rogério de Souza

Este vídeo faz parte da palestra da SEMANA AÇÃO AVC (evento destinado a pacientes e familiares de AVC, promovido pela Associação AÇÃO AVC), proferida por Rogério Souza. Canal no youtube: Neurofuncional