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Como cuidar de quem teve AVC sem retirar sua autonomia
Familiar cuidador de AVC – Cuidar mantendo a autonomia
O tema da II SEMANA AÇÃO AVC, evento realizado pela ASSOCIAÇÃO AÇÃO AVC em 2022, foi AVC - UMA DOENÇA DA FAMÍLIA
O Terapeuta Ocupacional José Gutembergue fala sobre a importância de cuidar sem retirar a autonomia do ente querido que foi acometido pelo AVC.
O AVC e a família
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) não só compromete a pessoa acometida, mas sim todo seu núcleo familiar.
Pacientes e familiares que estão na jornada de aprendizado, crescimento e superação que o AVC impõe mostram ser perfeitamente possível "tocar" a vida, seguir e superar obstáculos e isto é um aprendizado constante.
AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA
É preciso entender que existe uma diferença entre o termo autonomia e o termo independência. É uma diferença sutil, mas muito interessante.
Independência é a capacidade que o indivíduo tem de realizar suas atividades do cotidiano. O paciente não depende de nada nem de ninguém no sentido da execução de fazer.
Por exemplo, é comum que no AVC haja uma dificuldade em um dos lados do corpo, o indivíduo pode ficar com comprometimento no andar, na marcha. Nesse caso ele perde a independência de andar total ou parcialmente, mas não perde necessariamente a autonomia.
A autonomia está relacionada à capacidade de escolha, de decisão sobre o que se deseja fazer ou não.
E isso muitas vezes se confundem, mas não significa que uma pessoa que não consegue mais andar ou está com dificuldade para falar e se expressar, perdeu a capacidade de decidir sobre si, sobre as questões do dia-a-dia, sobre opinar, sobre o gerenciamento do seu dinheiro, desejando o que comer, sobre se quer dormir naquele horário, se está satisfeito com as terapias que estão sendo realizadas ou não.
É importante compreender o que cada um desses termos significa, pois fica mais claro e mais interessante tanto para os familiares, quanto para os que foram acometidos de AVC.
O diálogo do cuidado fica mais saudável, inclusive quando essa comunicação flui em conjunto, paciente e familiar.
A comunicação será mais eficaz, porque a família compreende o que deverá considerar, o que o ente querido deseja, ainda que o mesmo não consiga executá-lo. Aquele familiar que sofreu o AVC se sente mais legitimado e respeitado enquanto sujeito.
Portanto, a pessoa que foi acometida pelo AVC não precisa, em função da dependência física, estar sempre sujeita às determinações dos familiares e cuidadores e isso necessita ser dialogado.
Dicas de como cuidar e manter a autonomia do indivíduo após o AVC?
Enquanto garantimos autonomia de escolha, participação e de decisão para aquela pessoa que está com limitação física, a pessoa se sente mais empoderada e respeitada.
Nesse sentido é o empenho e o desejo em progredir no ponto de vista funcional, melhorar fisicamente, ter mais capacidade de realizar as atividades, melhorando e aumentando a sua independência, isso acontece quando permitimos que o paciente colabore com as atividades do dia-a-dia, mesmo que tenha dificuldades - isso favorece e muito seu processo de reabilitação.
É comum que aqueles que sofreram AVC cheguem nas primeiras consultas, ou nas primeiras avaliações com a equipe de reabilitação, conduzido pela família e normalmente chega em cadeira de rodas.
A pessoa costuma ficar mais calada e enquanto o profissional começa a fazer perguntas, os familiares costumam responder, narrar todo o acontecido.
E pelo que já foi conversado e visto no seu histórico do prontuário, o indivíduo acometido pelo AVC tem a capacidade de se comunicar preservada.
Muitas vezes, quando o profissional pergunta à família, se a pessoa consegue se comunicar, ele consegue responder balançando a cabeça, ou o paciente fica olhando para seu familiar aguardando o mesmo dar a autorização.
É muito importante legitimar o paciente na dinâmica da reabilitação, ele não precisa ser um sujeito passivo na dinâmica de tratamento, por isso que a autonomia do indivíduo precisa ser preservada e incentivada, mas desde que ele tenha condições de falar por si, ou ao menos tenha a condição de se expressar, ainda que ele não fale, ele pode concordar ou não com alguns questionamentos que o profissional faça, como, por exemplo: com gestos, que é uma forma de comunicação muito possível e muito ampla.
Quando o familiar é questionado como são os cuidados do paciente, se o mesmo consegue se cuidar sozinho ou precisa de ajuda para determinadas tarefas, por exemplo: vestir uma camisa, o familiar informa que o paciente não consegue vestir a camisa sozinho, o terapeuta questiona, mas ele já tentou?
A família já permitiu que o paciente tentasse se vestir sozinho, sem ajuda?
E muitas vezes quando a pessoa que sofreu o AVC está na clínica e é solicitado que o mesmo tente tirar sua camisa, ele consegue na primeira tentativa, com algumas dificuldades, mas ele consegue executar o que foi pedido e a família fica surpresa, é comum que haja inclusive uma recuperação não percebida, uma recuperação espontânea.
Do ponto de vista do familiar ocorre que quando o seu ente querido sofre AVC, normalmente costuma ficar totalmente dependente, acamado, fazendo suas necessidades na fralda, depende de ajuda para se alimentar, então com o passar das semanas e dos primeiros meses, o indivíduo gradualmente vai se recuperando só que sua família não percebe e mantém aquele nível de cuidado desde o momento que o mesmo sofreu o AVC.
Só que pode estar existindo uma recuperação do ponto de vista da capacidade de realizar tarefas que as famílias não percebem e a pessoa também não, porque isto não foi permitido a ele tentar.
Os profissionais precisam informar aos familiares que percebam isso junto com o ente querido. É muito comum nesses momentos ocorrer o crescimento da percepção do quanto ele tem capacidade: que estava ali quieta, adormecida, mas que tem potencial para executar a tarefa.
Dentro da reabilitação é treinado o passo a passo de cada atividade.
Mas é dentro de casa que o processo de recuperação acontece verdadeiramente. A reabilitação, as orientações, as informações que são necessárias, as técnicas que são realizadas nos Centros de Reabilitação, nos ambulatórios são um direcionador/orientador, um guia, mas a reabilitação, verdadeira, maciça é no cotidiano.
Tudo que for treinado, estimulado dentro do possível deve ser continuado em casa e dentro da rotina das atividades de vida diária, que estão relacionadas ao cotidiano do acometido de AVC, e isso precisa ser muito incentivado em casa, ele é incentivado a tentar fazer dentro das orientações que serão dadas pelos terapeutas.
Tudo tem que ser realizado com o tempo livre
Na maioria das vezes é complicado para as famílias terem tanto tempo livre assim, porque a rotina de casa nem sempre permite, mas tempo, tranquilidade e segurança sempre têm que estar caminhando juntas nesse sentido.
1 - Permita que o paciente tente
2 - Deixe o paciente errar e tentar novamente
Sendo da maneira mais aperfeiçoada possível, na medida em que o paciente tenta, erra e aprende com o erro ele tenta novamente e dentro desse processo ele vai ampliando a sua capacidade e a sua independência.
3 - Não treine quando estiver com pressa
Se o familiar falar:
- Vamos, vista logo sua camisa;
- Está em cima da hora de ir;
- Temos horário ou o carro está chegando.
Jamais nessas circunstâncias faça isso, pois o treino deve acontecer sobretudo no tempo livre e com calma.
Então por exemplo no banho: será determinado em terapia em conjunto com os terapeutas se o banho mais seguro será sentado ou de pé, com supervisão ou não, a depender do nível de segurança e isso tem que ser levado em conta, tudo que foi treinado, tudo que for realizado em casa tem que ser realizado com o máximo de segurança possível, para evitar acidentes e sobretudo quedas.
Para quem tem dificuldade para falar como devemos agir?
Essa é uma situação muito delicada, pois há possibilidade da pessoa ter dificuldades para falar, que pode ser por uma disartria, (que é a dificuldade de articular a palavra por uma dificuldade motora ou uma afasia).
Para algumas pessoas existe a dificuldade em colocar para fora o que quer ser dito nos casos de afasia ou na parte escrita, tem dificuldades para externalizar escrevendo tanto quanto tem para se comunicar falando.
Como garantir a autonomia do paciente com afasia?
Existem diversas técnicas e meios, mas o convívio com a pessoa vai fazer com que essa comunicação comece a se ajustar.
Normalmente o cuidador principal vai aprendendo com semblante e gestos uma nova forma de comunicação e expressão, ali entre os dois, mas em princípio busque fazer perguntas simples e enxutas.
E que as respostas possam ser facilitadas no sentido de sim ou não.
Por exemplo:
Quer tomar banho agora?
O paciente vai confirmar se sim ou não.
Frisando que, caso o paciente informe que não e, o banho seja importante naquele momento, explique o motivo.
Caso seja horário de uma terapia, explique.
Precisamos ir a terapia, por isso é importante que você tome banho neste momento e aguarde a pessoa entender o motivo.
Isto não pode ser tão imposto, a ponto da pessoa não ter a opção nem de dizer o que deseja, pois ele vai ficando muito passivo na dinâmica do cuidado e quanto maior a passividade menor empenho e quanto menor o empenho menor o processo de recuperação.
A ligação entre a autonomia e a Independência é que um puxa o outro, o crescimento e valorização de um faz com que o outro cresça.
Se o acometido pelo AVC se torna independente funcionalmente ele se sente mais autônomo e legitima a sua autonomia. E se a autonomia é legitimada tem pouca funcionalidade em função do AVC.
Na medida em que a autonomia é reconhecida, o poder de escolher, de colaborar e opinar estará existindo e a pessoa se sentirá mais respeitada pelo seu familiar, vai se sentir mais mobilizado, mais ativo e se empenhar mais em todo processo de reabilitação.
Que os envolvidos nesse longo processo tenham muito sucesso, conquistas e muita superação.
*Este vídeo faz parte da programação da II SEMANA AÇÃO AVC (evento destinado a pacientes e familiares de AVC, promovido pela Associação AÇÃO AVC).