Pacientes e familiares » Cuidadores e Familiares de AVC »

Como cuidar de quem teve AVC sem retirar sua autonomia

Familiar cuidador de AVC – Cuidar mantendo a autonomia

06/02/2023

O tema da II SEMANA AÇÃO AVC, evento realizado pela ASSOCIAÇÃO AÇÃO AVC em 2022, foi AVC - UMA DOENÇA DA FAMÍLIA

O Terapeuta Ocupacional José Gutembergue fala sobre a importância de cuidar sem retirar a autonomia do ente querido que foi acometido pelo AVC.


O AVC e a família

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) não só compromete a pessoa acometida, mas sim todo seu núcleo familiar.

Pacientes e familiares que estão na jornada de aprendizado, crescimento e superação que o AVC impõe mostram ser perfeitamente possível "tocar" a vida, seguir e superar obstáculos e isto é um aprendizado constante.


AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

É preciso entender que existe uma diferença entre o termo autonomia e o termo independência. É uma diferença sutil, mas muito interessante.

Independência é a capacidade que o indivíduo tem de realizar suas atividades do cotidiano. O paciente não depende de nada nem de ninguém no sentido da execução de fazer.

Por exemplo, é comum que no AVC haja uma dificuldade em um dos lados do corpo, o indivíduo  pode ficar com comprometimento no andar, na marcha.  Nesse caso ele perde a independência de andar total ou parcialmente, mas não perde necessariamente a autonomia.

A autonomia está relacionada à capacidade de escolha, de decisão sobre o que se deseja fazer ou não. 

E isso muitas vezes se confundem, mas não significa que uma pessoa que não consegue mais andar ou está com dificuldade para falar e se expressar, perdeu a capacidade de decidir sobre si, sobre as questões do dia-a-dia, sobre opinar, sobre o gerenciamento do seu dinheiro, desejando o que comer, sobre se quer dormir naquele horário, se está satisfeito com as terapias que estão sendo realizadas ou não.

É importante compreender o que cada um desses termos significa, pois fica mais claro e mais interessante tanto para os familiares, quanto para os que foram acometidos de AVC.

O diálogo do cuidado fica mais saudável, inclusive quando essa comunicação flui em conjunto, paciente e familiar.

A comunicação será mais eficaz, porque a família compreende o que deverá considerar, o que o ente querido deseja, ainda que o mesmo não consiga executá-lo. Aquele familiar que sofreu o AVC  se sente mais legitimado e respeitado enquanto sujeito. 

Portanto, a pessoa que foi acometida pelo AVC não precisa, em função da dependência física, estar sempre sujeita às determinações dos familiares e cuidadores e  isso necessita ser dialogado.


Dicas de como cuidar e manter a autonomia do indivíduo após o AVC

Dicas de manter a autonomia pós AVC
Dicas de manter a autonomia pós AVC


Enquanto garantimos autonomia de escolha, participação e de decisão para aquela pessoa que está com limitação física, a pessoa se sente mais empoderada e respeitada.

Nesse sentido é o empenho e o desejo em progredir no ponto de vista funcional, melhorar fisicamente, ter mais capacidade de realizar as atividades, melhorando e aumentando a sua independência, isso acontece quando permitimos que o paciente colabore com as atividades do dia-a-dia, mesmo que tenha dificuldades -  isso favorece e muito seu processo de reabilitação.

É comum que aqueles que sofreram AVC cheguem nas primeiras consultas, ou nas primeiras avaliações com a equipe de reabilitação, conduzido pela família e normalmente chega em cadeira de rodas.

A pessoa costuma ficar mais calada e enquanto o profissional começa a fazer perguntas, os familiares costumam responder, narrar todo o acontecido. 

E pelo que já foi conversado e visto no seu histórico do prontuário, o indivíduo acometido pelo AVC tem a capacidade de se comunicar preservada.

Muitas vezes,  quando o profissional pergunta à família, se a pessoa consegue se comunicar, ele consegue responder balançando a cabeça, ou o paciente fica olhando para seu familiar aguardando o mesmo dar a  autorização.

É muito importante legitimar o paciente na dinâmica da reabilitação, ele não precisa ser um sujeito passivo na dinâmica de tratamento, por isso que a autonomia do indivíduo precisa ser preservada e incentivada, mas  desde que ele  tenha condições de falar por si, ou ao menos tenha a condição de se expressar, ainda que ele não fale, ele pode concordar ou não com alguns questionamentos que o profissional faça, como, por exemplo: com gestos, que é uma forma de comunicação muito possível e muito ampla.

Quando o familiar é questionado como são os cuidados do paciente, se o mesmo consegue se cuidar sozinho ou precisa de ajuda para determinadas tarefas, por exemplo: vestir uma camisa, o familiar informa que o paciente não consegue vestir a camisa sozinho, o terapeuta questiona, mas ele já tentou?


A família já permitiu que o paciente tentasse se vestir sozinho, sem ajuda?

E muitas vezes quando a pessoa que sofreu o AVC está na clínica e é solicitado que o mesmo tente tirar sua camisa, ele consegue na primeira tentativa, com algumas dificuldades, mas ele consegue executar o que foi pedido e a família fica surpresa, é comum que haja inclusive uma recuperação não percebida, uma recuperação espontânea.

Do ponto de vista do familiar ocorre que quando o seu ente querido sofre AVC, normalmente costuma ficar totalmente dependente, acamado, fazendo suas necessidades na fralda, depende de ajuda para se alimentar, então com o passar das semanas e dos primeiros meses, o indivíduo gradualmente vai se recuperando só que sua família não percebe e mantém aquele nível de cuidado desde o momento que o mesmo sofreu o  AVC.

Só que pode estar existindo uma recuperação do ponto de vista da capacidade de realizar tarefas que as famílias não percebem e a pessoa também não, porque isto não foi permitido a ele tentar.

Os profissionais precisam informar aos familiares que percebam isso junto com o ente querido. É muito comum nesses momentos ocorrer o crescimento da percepção do quanto ele tem capacidade: que estava ali quieta, adormecida, mas que tem potencial para executar a tarefa.


Dentro da reabilitação é treinado o passo a passo de cada atividade.

Mas é dentro de casa que o processo de recuperação acontece verdadeiramente. A reabilitação, as orientações, as informações que são necessárias, as técnicas que são realizadas  nos Centros de Reabilitação, nos ambulatórios são um direcionador/orientador, um guia, mas a reabilitação, verdadeira, maciça é no cotidiano.

Tudo que for treinado, estimulado dentro do possível deve ser continuado em casa e dentro da rotina das atividades de vida diária, que estão relacionadas ao cotidiano do acometido de AVC, e isso precisa ser muito incentivado em casa, ele é incentivado a  tentar fazer dentro das orientações que serão dadas pelos terapeutas.


Tudo tem que ser realizado com o tempo livre

Na maioria das vezes é complicado para as famílias terem tanto tempo livre assim, porque a rotina de casa nem sempre permite, mas tempo, tranquilidade e segurança sempre têm que estar caminhando juntas nesse sentido.


1 - Permita que o paciente tente

Dica 1 - Permita que o paciente tente
Dica 1 - Permita que o paciente tente


2 - Deixe o paciente errar e tentar novamente

DICA 2 - Se errar, tente novamente
DICA 2 - Se errar, tente novamente


Sendo da maneira mais aperfeiçoada possível, na medida em que o paciente tenta, erra e aprende com o erro ele tenta novamente e dentro desse processo ele vai ampliando a sua capacidade e a sua independência.


3 - Não treine quando estiver com pressa

Dica 3 - Não treine com pressa
Dica 3 - Não treine com pressa


Se o familiar falar:

  • Vamos, vista logo sua camisa;
  • Está em cima da hora de ir;
  • Temos horário ou o carro está chegando.

Jamais nessas circunstâncias faça isso, pois o treino deve acontecer sobretudo no tempo livre e com calma.  

Então por exemplo no banho: será determinado em terapia em conjunto com os terapeutas se o banho mais seguro será sentado ou de pé, com supervisão ou não, a depender do nível de segurança e isso tem que ser levado em conta, tudo que foi treinado, tudo que for realizado em casa tem que ser realizado com o máximo de segurança possível, para evitar acidentes e sobretudo quedas.


Para quem tem dificuldade para falar como devemos agir?

Essa é uma situação muito delicada, pois há possibilidade da pessoa ter dificuldades para falar, que pode ser por uma disartria, (que é a dificuldade de articular a palavra por uma dificuldade motora ou uma afasia). 


Afasia e AVC
Afasia e AVC


Para algumas pessoas existe a dificuldade em colocar para fora o que quer ser dito nos casos de afasia ou  na parte escrita, tem dificuldades para externalizar escrevendo tanto quanto tem para se comunicar falando.


Como garantir a autonomia do paciente com afasia? 

Existem diversas técnicas e meios, mas o convívio com a pessoa  vai fazer com que essa comunicação comece a se ajustar.

Normalmente o cuidador principal vai aprendendo com semblante e gestos uma nova forma de comunicação e expressão, ali entre os dois, mas em princípio busque fazer perguntas simples e enxutas.

E que as respostas possam ser facilitadas no sentido de sim ou não.

Por exemplo:

Quer tomar banho agora?

O paciente vai confirmar se sim ou não.

Frisando que, caso o paciente informe que não e, o banho seja importante naquele momento, explique o motivo.

Caso  seja horário de uma terapia, explique.

Precisamos ir a terapia, por isso é importante que você tome banho neste momento e aguarde a pessoa entender o motivo.

Isto não pode ser tão imposto, a ponto da pessoa  não ter a opção nem de dizer o que deseja,  pois ele vai ficando muito passivo na dinâmica do cuidado e quanto maior a passividade menor empenho e quanto menor o empenho menor o processo de recuperação.

A ligação entre a autonomia e a Independência é que um puxa o outro, o crescimento e valorização de um faz com que o outro cresça.

Se o acometido pelo AVC se torna independente funcionalmente ele se sente mais autônomo e legitima a sua autonomia. E se a autonomia é legitimada tem pouca funcionalidade em função do AVC.

Na medida em que a autonomia é reconhecida,  o poder de escolher, de colaborar e opinar estará existindo e a pessoa se sentirá mais respeitada pelo seu familiar, vai se sentir mais mobilizado, mais ativo e se empenhar mais em todo processo de reabilitação.

Que os envolvidos nesse longo processo tenham muito sucesso, conquistas e muita superação.


José Gutembergue - Terapia Ocupacional
José Gutembergue - Terapia Ocupacional

*Este vídeo faz parte da programação da II SEMANA AÇÃO AVC (evento destinado a pacientes e familiares de AVC, promovido pela Associação AÇÃO AVC).